quarta-feira, 28 de julho de 2010

O Corsa - Parte 9

No dia 23 de outubro de 2005 ocorreu o referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições no Brasil e também o dia em que, por pouco, não morri num violento acidente de carro.

O que era para ser apenas mais um dia tornou-se um pesadelo terrível quando eu voltava para casa à noite. Lembro que meu pai se ofereceu para me levar à cidade, e eu recusei; lembro de, na volta, ter pensado em comprar uma Coca-cola, mas desisti, porque queria chegar à minha casa o mais rápido possível. Pequenos detalhes que poderiam ter mudado toda a história. Se eu tivesse parado para comprar o refrigerante, se tivesse seguido por outro caminho, se fosse o Uno do meu pai, se eu tivesse me demorado mais um pouco não teria o prejuízo no bolso, não teria o susto que me desorientou, nada teria acontecido. Mas as hipóteses são apenas hipóteses, eram tantos “ses", eram tantas possibilidades. Não passaram disso.
Dirigia numa velocidade média, nem rápido demais, nem devagar demais. Passava pela Angra-Getulândia, num trecho calmo, tão conhecido que poderia fechar os olhos e ainda saberia o caminho. Chegando ao segundo quebra-molas, diminuí a velocidade, quando ouvi um som de uma batida. Olhei rapidamente pelo retrovisor e vi a luz do farol de um carro vindo em alta velocidade na minha direção. Não deu tempo de fazer muita coisa, apenas senti a pancada na traseira do Corsa, que voou pelo quebra-molas, parando em frente ao ponto de ônibus.

Do momento da colisão até o carro parar, não me lembro de nada. Parece que apagaram um pedaço das minhas lembranças, tamanha a violência do choque. Alguém no ponto de ônibus abriu a porta e me perguntou se eu estava bem. Não conseguia responder, apenas olhava para o rapaz e balançava a cabeça, completamente desnorteado.

Quando consegui entender o que havia acontecido, pulei do carro e fui conferir o estrago. A traseira do Corsa estava destruída. A capa do para-choque estava totalmente quebrada, a barra do para-choque foi forçada para dentro, rasgando o pneu e amassando o aro da roda. Pedaços da lanterna traseira espalhados para todos os lados, a tampa do porta-malas irrecuperável. Só não entendi como não quebrou o vidro. Acho que por ter conseguido sair do centro da batida, fazendo com que a colisão acontecesse do meio para a esquerda, salvou-me de um prejuízo ainda maior.


Desnorteado ainda, tanta pelo acidente como também pela raiva, não sentia nenhum tipo de dor. Não percebi que meu peito estava dolorido, nem que o cinto de segurança tinha deixado um vermelhidão em meu tronco, mas não fosse por ele, eu teria voado pelo para-brisa. Depois desse maldito dia, nunca mais andei sem cinto de segurança, seja por cinco metros ou mil quilômetros; seja no banco do motorista ou no do carona; seja na frente ou atrás, basta que me sente no banco para que puxe sobre mim o cinto.

Um casal correu em minha direção. Mais à frente meu algoz tinha parado o carro. Imediatamente fui verificar o estado do dono do carro que bateu em mim. Sei que o prejuízo seria grande, mas a matéria se recupera, uma vida, não. Para meu espanto, e raiva multiplicada, ele estava bem vivo, apesar de um corte na boca que o deixava todo ensanguentado. Não tive tempo de me apiedar dele, porque imediatamente percebi que o rapaz estava completamente bêbado, mal se agüentando de pé.

Como não haveria jeito para uma conversa sensata, liguei para a polícia, comunicando o acidente e o estado alterado do rapaz, que saiu correndo em disparada, deixando o carro com as chaves na ignição. Tentei segurá-lo, mas não tive sucesso. Ele fugiu.

Conversando com o casal, descobri que o estrondo que ouvi antes fora o carro deles sendo acertado na lateral pelo bêbado. Ele estava em alta velocidade, trafegando na contra-mão. Não conseguiram desviar o suficiente para evitar a batida, mas, pelo menos evitaram maiores prejuízos.

A polícia chegou, meu pai também chegou, meu mecânico chegou, minha advogada chegou e se armou a confusão, porque localizaram o causador do acidente, mas ele estava trancado em casa. Como o carro ficou, não houve jeito, a família do bêbado foi obrigada a comparecer ao local. Mais discussões, brigas e ameaças de prisão. Por sorte, eu conhecia o cunhado do rapaz, que me garantiu que ele arcaria com as despesas para arrumar o pobre corsinha. Minha advogada tomou à frente do caso e eu, ainda sem pensar direito, fui para casa com meu pai, horas depois.

No dia seguinte fomos ver melhor o carro, que já estava na oficina. Era muito pior do que eu me lembrava. O preço para o conserto: R$ 3000,00. Por sorte, o mecânico era de confiança e me orçou o preço sem os seus lucros. Comecei a achar difícil que o camarada imprudente arcasse com as despesas.

Mais tarde ele chegou com a mulher e os filhos. A única coisa que eu queria era partir para cima dele e lhe dar uma boa série de socos. Mas fiquei quieto no meu lugar, porque não sou adepto da violência e não queria perder a razão. Ele mal conseguia olhar para mim. Dizia que errara, que bebera demais e não se lembrava de muita coisa da noite anterior. Quando o infeliz viu o meu carro, escancarou a boca e se lamentou, não acreditando que tinha sido tão feio o acidente.

Partes acertadas, começou a novela para o conserto do Corsa destruído. Foram messes de espera para que se pudesse desentortar, alinhar, reparar, comprar peças, pintar a lataria e ter o carro de volta.

Depois disso, desanimei com o corsinha. Tudo o que eu queria era vendê-lo e esquecer os problemas que tivemos. Começar de novo com outro carro e ter mais sorte. Mas se eu soubesse o que me esperava no futuro, o Corsa estaria comigo até hoje.

2 comentários:

  1. Senta que lá vem história! Me lembro bem desse acidente, mas o que mais me recordo ainda está por vir, e não foi com o Corsa, e sim com um jovem japonês.

    ResponderExcluir