quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Corsa – parte 3

Depois do problema da fechadura, eu e o corsinha tivemos um mês muito tranquilo. Era um carro gostoso de se dirigir, muito confortável e me atendia muito bem as necessidades. Rapidamente perdi a insegurança inicial e desfilava com meu carrinho branco pela cidade. Adorava pegar a estrada e ir para o trabalho, correndo pela Rio-Santos sem preocupação, apesar de nem olhar para o lado, porque tinha a péssima mania de fixar os olhos na frente e nos retrovisores, nada mais.

Deve ser coisa de homem, mas tinha um zelo imenso pelo carro, tanto que não o deixava mais do que 10 minutos parado na rua em frente de casa. Depois disso, garagem coberta e com cadeado no portão. Aos domingos era dia de dar uma geral no carro. Lavar com xampu automotivo, cera e polimento na parte externa. Aspirador de pó, escova nos carpetes, silicone no painel e um belo polimento para acentuar o brilho. Passava boa parte do domingo cuidando do corsinha, mais até do que cuidava da minha própria casa. Minha ex-mulher reclamava o tempo todo que eu passava mais tempo com o carro do que com ela nos fins de semana, mas eu adorava.

O pesadelo (e não era os contos de horror e medo) começou quando minha ex-mulher tirou a carteira de motorista. Um carro para duas pessoas independentes não dá certo. Brigávamos sempre por causa do carro, já que trabalhávamos em escolas diferentes e em horários iguais. Era uma briga constante porque ela queria meu carro. Eu, que zelava pelo corsinha como se fosse um ente querido, tinha de submetê-lo novamente às amarguras de uma recente motorista. Não deu outra, logo no primeiro dia que ela saiu com o carro, estacionando na garagem, amassou a lateral do carro numa das vigas que sustentavam o telhado. Não é preciso dizer que fiquei chateado com ela, mas, no fim, acabei entendendo, uma vez que eu também fiz besteira quando peguei o carro pela primeira vez. Foi triste ver o carro com aquele amassado na traseira, mas resolvi não gastar com o lanterneiro ainda, pois, intimamente, sabia que ainda viriam mais problemas e novos amassados. E foi numa sexta-feira que a agonia chegou sem pedir licença, deixando-me desesperado.

Minha ex-mulher foi trabalhar no Perequê, o último bairro de Angra dos Reis antes de Paraty. Mesmo com minhas reclamações, ela insistiu para ir com o carro. De nada adiantou minhas negativas, porque quando acordei, ela já havia saído. Fiquei com raiva e preocupado ao mesmo tempo, já que ela nunca tinha dirigido sozinha, principalmente na estrada. Mas, vá lá, ela tinha que adquirir prática na direção.

Quando o telefone tocou, por volta do meio-dia, um frio me percorreu a espinha. Era ela. Com a voz chorosa, minha ex pedia para encontrá-la na rua, porque estava com um problema. A primeira coisa que pensei foi: “Meu carro”. Pus a primeira roupa que vi pela frente e sai em disparada para onde ela havia me dito que estava. Não pensava em mais nada além do que poderia ter acontecido com o carro: uma batida leve, um arranhado, atropelou alguém, levou uma multa. Eram tantas as possibilidades que me deixavam sem ar. Mas, como é o homem, em momento algum pensei sobre a possibilidade de ela estar machucada.

Quando cheguei à rua em frente à lanchonete Papão, o susto. Antes que eu pudesse falar com ela, um policial veio a mim e me pediu para não ser duro com minha esposa. Vejam que situação, ela sabia que eu iria perder a cabeça quando visse o que ela fez com meu carro, por isso o policial, vendo-a aos prantos, intercedeu em seu favor.

Sem entender nada, perguntei ao homem da lei o que havia acontecido. Ele me respondeu que ela fez uma pequena besteira, mas que estava bem. O acidente não foi tão feio quanto pode parecer pelo estado do carro. Aquelas palavras me tiraram do sério. Estado do carro! Acidente feio! Meu carro...

Fiquei atônito quando vi o Corsa desfigurado. A infeliz bateu na traseira de uma Montana. A colisão foi tão forte que acabou com a frente do corsinha, quebrando farol, amassando o capô e o paralama, quebrando o pára-choque. Senti falta de ar. Queria matá-la. Não conseguia entender como ela conseguira destruir a frente do meu carro e não acontecer quase nada com a Montana, que teve apenas um amassado na tampa da carroceria e uma lanterna trincada.

Discussões a parte, sem seguro, resolvemos levar os carros para a extinta Conora, hoje Aspen, concessionária Chevrolet em Angra, para fazermos um orçamento e cobrir o prejuízo. Do Centro à Ribeira, foi um caos dirigir. O pára-choque parecia que cairia a qualquer momento, o capô levantado impedia a plena visão da pista, as rodas tocavam no paralama amassado fazendo um ruído insuportável. Eu queria matá-la.

Na concessionária, o lanterneiro olhava os carros, balançando a cabeça negativamente. Pedi que ele fizesse o orçamento da Montana primeiro, pois não queria problemas com ninguém. Ela bateu no carro, ela pagaria o conserto. Veio a primeira notícia ruim: a tampa da carroceria era blindada, não sendo possível fazer a lanternagem, teríamos, portanto, que comprar uma peça nova. A lanterna estava trincada, sendo assim, teríamos que também comprar outra. Enquanto o funcionário da Conora falava, meu coração acelerava. Era dinheiro demais. Quando pensei que chegara ao fim das despesas, ele me informou que só de adesivos e emblemas teria que gastar mais R$ 500,00. Quase caí para trás. Sentei no meio fio, levei as mãos à cabeça e quis matar minha ex-mulher.

Felizmente o dono do carro atingido se apiedou de nós dois e resolveu ajudar na despesa, cobrando-nos apenas a tampa e a lanterna, deixando a pintura e os malditos adesivos por conta dele. Menos um problema.



Passando ao corsinha, veio o desespero. Havia tanta coisa para trocar, tantas peças para comprar, que a minha vontade foi entregar a chave do carro e dizer faça bom proveito dessa sucata. Juntando as peças e o serviço, gastaríamos cerca de R$ 3.000,00. Muito dinheiro para quem acabara de se casar, estava mobiliando uma casa, ganhando um salário baixo ainda. Tive vontade de chorar. Tive vontade de matá-la. Nessas horas descobrimos como faz falta o bendito seguro.

Depois de tanta notícia ruim, parece que as divindades resolveram agir em nosso favor. O lanterneiro da concessionária me chamou no canto e pediu para que eu tirasse o carro do pátio e o estacionasse numa rua próxima. Sem entender muito bem o motivo, liguei o carro com muita dificuldade e fiz o pedido. Poucos minutos depois, ele estacionou seu Ford Escort dourado ao lado do meu destruído Corsa e fez uma oferta tentadora. Por R$ 900,00 ele arrumaria meu corsinha em sua oficina, trocando as peças danificadas, desamassando a batida da lateral e retocando a pintura. Pudor e bom-senso a parte, aceitei a proposta e levei o carro até a oficina do Gigante, salvando minha ex-mulher da falência com a economia no conserto do carro.

Fim dos problemas? É claro que não.

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